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Sugestões para um programa ecossocialista para Niterói​

Não pode haver prioridade maior, neste momento da história, do que trabalhar para evitar os piores efeitos da crise climática sobre a humanidade. As cidades, são territórios que sofrem violentamente – e de maneira desigual conforme a origem social, racial e de gênero das parcelas da população – os efeitos da devastação ambiental em curso. Niterói, que já sofreu com tragédias de grandes dimensões causadas por deslizamento de terra em dias de chuva intensa, como no Morro do Bumba, enfrenta cotidianamente os apagões, inundações e desastres causados por qualquer temporal que passe pela cidade. A cidade, que poderia ser exemplo de gestão ambientalmente comprometida, corre na direção oposta. As áreas florestais nos parques municipais e estaduais estão sob constante ameaça da expansão imobiliária; lagoas antes riquíssimas em vida estão hoje assoreadas e poluídas, como as de Itaipu e Piratininga; praias da Baia de Guanabara e da Região Oceânica são cada vez mais cercadas pelo adensamento urbano e saturadas pelos problemas de insuficiente tratamento de esgoto.

Oitava cidade mais verticalizada do país, com mais de 40% dos moradores vivendo em apartamentos, possui quase 28 mil domicílios desocupados (12% do total). Segundo o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU) da UFF, o déficit habitacional da cidade é de 15 mil unidades, ou seja, menor do que o número de imóveis desocupados. Em 2020, 14% da população estava inscrita no Cadastro Único e na Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária. São cerca de 72 mil pessoas, que não possuem imóvel próprio e residem em área de risco e/ou imóveis inadequados de habitação unifamiliar. O IBGE estima que mais de 33 mil moradores estão em áreas de risco na cidade e a população moradora em favelas foi estimada (os dados do censo nesse quesito ainda não foram divulgados) em mais de 80 mil, dos cerca de 480 mil recenseados em 2022.

Outra característica da cidade são os constantes engarrafamentos, a qualquer hora do dia (e na maior parte da noite). Proporcionalmente, Niterói é o município que tem mais carros por habitantes. A taxa é de 59,16%, contra 47,26% da capital e apenas 31,96% de São Gonçalo. Para cada 10 moradores de Niterói, há seis carros. Muitos desses carros circulam com apenas um passageiro/condutor, acarretando um enorme volume de poluição ambiental e desperdício energético, que poderiam ser substancialmente reduzidos caso o transporte público fosse eficiente. Mas, a prefeitura prefere garantir um subsídio elevadíssimo às empresas de ônibus, sem qualquer retorno concreto na qualidade do serviço, com os usuários esperando longos períodos para embarcarem em ônibus lotados, por uma tarifa elevadíssima se calculada em função das pequenas distâncias percorridas na maior parte das viagens. Em projeto do Executivo, aprovado em fevereiro deste ano na Câmara, um valor totalmente inflado da tarifa (R$ 5,14) foi estimado, com a prefeitura se comprometendo a cobrir 30% desse valor, em troca de uma queda do preço que ainda não se viu. Com o sistema de transportes aquaviário (barcas) totalmente sucateado pelo consórcio concessionário do governo estadual, que sistematicamente chantageia o estado por mais subsídios para um serviço cada vez pior, os engarrafamentos se estendem à ponte Rio-Niterói. A linha 3 do Metrô (Praça XV

– Niterói/São Gonçalo) é volta e meia anunciada em campanhas eleitorais, mas já virou uma lenda urbana.

Com todo esse quadro, a prioridade da prefeitura neste início de ano, foi aprovar uma lei de uso do solo urbano que privilegia a elevação de gabaritos em toda a cidade, incluindo áreas de interesse social (favelas), as áreas úmidas à volta das lagoas da Região Oceânica, os parques florestais urbanos e morros protegidos por normas federais. Com tantas famílias sem casa e tantas casas vazias, a prioridade da prefeitura é garantir o lucro financeiro dos fundos imobiliários e o negócio das incorporadoras e construtoras, ou seja, do capital imobiliário, que com as empresas de ônibus, financia há muito tempo as campanhas eleitorais dos dirigentes niteroienses. Como decorrência dessa lei, que preza pelas verticalização em uma cidade em que a população está estagnada há uma década e já sobrecarregada de problemas urbanos, mais caos nos serviços de água/esgoto e energia, mais engarrafamentos, mais alagamentos e desastres decorrentes dos temporais cada vez mais frequentes, mais elevação das temperaturas com a substituição de quintais e áreas verdes por concreto e asfalto, ou seja, mais injustiça e crise ambiental e social.

Nada disso precisava ser assim. O orçamento da cidade para este ano é de 5,4 bilhões, o que garante um dos maiores valores por habitante do país. Só o sentido de classe pró-empresariado explica a penúria da saúde pública municipal, a falta de vagas em escolas públicas, o estímulo à especulação imobiliária, às empresas de ônibus, à destruição do meio ambiente.

Um programa radicalmente oposto precisa ser construído para a cidade, de forma a efetivamente combatermos a crise climática e a desigualdade urbana em Niterói.

I No plano da moradia:

  1. Reversão da Lei urbanística aprovada em março de 2024 pela Câmara, com completa inversão de prioridades para:

. preservação das lagoas, parques e morros não construídos da cidade, impedindo sua captura pela especulação imobiliária;

. utilização dos dispositivos previstos no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) e a recursos municipais e federais (Minha Casa minha Vida), para garantir o direito à habitação às famílias em vulnerabilidade habitacional;

II Na política de transportes:

. Auditoria das contas das empresas de ônibus concessionárias do serviço público, de forma a garantir a oferta de transporte coletivo rodoviário a preços compatíveis, com intervalos regulares menores que os atuais, com linhas em todas as regiões da cidade e veículos climatizados, recorrendo à encampação pelo poder público, em caso de resistência a essa política;

. Promover os estudos necessários e criar as condições para a implementação da tarifa-zero no transporte coletivo urbano;

. Trabalhar junto ao governo estadual e federal (via PAC) para garantir o transporte aquaviário (barcas) de qualidade e com tarifas reduzidas, em horários adequados sete dias por semana, nas estações Araribóia e Charitas e para estender o serviço a São Gonçalo, conforme previsto na concessão original do serviço;

. Trabalhar junto aos governos estadual e federal pela efetiva implantação da Linha 3 do Metrô;

. Ampliação e racionalização do sistema cicloviário, garantindo a segurança dos ciclistas e que as ciclovias efetivamente se interliguem por toda a cidade;

 

III- No campo ambiental

. Para além dos impactos positivos produzidos por políticas habitacional e de transportes públicos que preservem o meio ambiente e reduzam as emissões produzidas pelos veículos automotivos, a cidade deve se preparar para os impactos já em curso da crise climática, incluindo:

. Elaboração de um plano municipal de enfrentamento dos eventos climáticos extremos e investimentos ampliados na defesa civil;

. Reestatização da companhia de águas e esgoto (Águas de Niterói), com universalização do serviço e melhoria da qualidade, evitando os cortes de fornecimento e os alagamentos constantes, fiscalizando os lançamentos pelas empresas, além de eliminar o despejo de efluentes nas praias e lagoas;

. Legislação que proteja os trabalhadores e trabalhadoras expostos ao sol e à chuva, em momentos de extremos climáticos (ondas de calor, como as que atravessamos nos últimos meses, e ameaças de chuvas intensas);

. Aperfeiçoamento dos mecanismos de alerta para temporais e riscos de desabamentos e deslizamentos de encostas;

. Transferência definitiva dos moradores e moradoras de áreas de risco para imóveis adequados, através das políticas habitacionais que priorizem o interesse social;

. dragagem dos rios e replantio/preservação de matas ciliares;

. estímulo, através de descontos no IPTU e/ou assistência técnica e financeira, ao plantio de árvores nos quintais e às hortas unifamiliares e comunitárias, como instrumentos de mitigação dos extremos climáticos e da insegurança alimentar;

. preservação e ampliação dos parques municipais e das políticas de arborização das vias públicas;

Assinam: 

Kenia Miranda

Renata Schittino

Rosa Aletice

Gustavo França Gomes

Juliano Magalhães

José Rodrigues

Marcelo Badaró

Marco Pestana

Regis Argüelles

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