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A vida das pessoas trans importa


Em apoio ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, comemorado em 29 de janeiro, o Setorial LGBT do PSOL Niterói produziu uma série de postagens para discutir questões que envolvem problemas vividos pela população trans (travestis, transexuais, etc.). Para começar, a primeira postagem contou com a biografia de dois personagens trans de carne, sangue e vida, que constroem o nosso setorial e militam diariamente por aceitação na sociedade. Eu, Alyne de Oliveira... "Sou Alyne guerreira, como me defino. Negra, pobre, tive uma infância difícil, sobretudo pela marginalização que vivi, primeiro pela minha cor e depois por minha identificação de gênero. Minha mãe era doméstica, trabalhava em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Só podíamos entrar no prédio pelo elevador de serviço. Anos mais tarde, comecei a trabalhar como cobradora de ônibus. O ambiente era difícil, muito masculino. Sofri preconceito neste emprego ao longo de 12 anos, mas soube contornar. Deixei o Rio de Janeiro aos 16 anos e vim morar em Niterói. Continuei trabalhando até abrir a minha loja. Hoje me integro à luta por causas sociais e aos movimentos que desejam uma sociedade mais justa e igualitária." Eu, Juan Barcelos... "Nasci no bairro de Santa Rosa, Niterói, cidade que amo! Tive uma infância muito feliz na fazenda de meu avô. Cresci correndo na floresta, tomando banhando nos rios, pescando, colhendo os frutos das árvores. Porém, assim que entrei na pré-adolescência comecei a perceber muitas dificuldades. Tive que lidar com os padrões pré-estabelecidos de comportamento da sociedade. Machismo, imposições, discriminações. Até por isso, nunca deixei de lutar. Comecei a minha militância, ainda cedo, no grêmio estudantil do colégio Henrique Lage e de lá sigo até hoje lutando. Quanto à questão do trabalho, nunca parei. Trabalhei de pedreiro, bombeiro hidráulico e técnico em edificações. Estou casado há 10 anos e tenho, junto com minha esposa, uma filha. Atualmente trabalho como técnico em enfermagem e estudo para me tornar gestor hospitalar. Meu objetivo é lutar contra as desigualdades sociais geradas pelo preconceito e a LGBTfobia, desejo uma sociedade mais igualitária. Sou um trabalhador comprometido com o RESPEITO e a DIGNIDADE do ser humano e prefiro ser esta METAMORFOSE ambulante do que ter aquela opinião formada sobre tudo, como já dizia o nosso querido Raul Seixas."

Onde estão as pessoas trans nos postos de trabalho?

Quantas travestis e pessoas trans trabalham na mesma empresa que você? Você já foi aluno de uma mulher trans? Ou, quem sabe, foi a uma consulta médica e o profissional era um homem trans? As respostas a essas perguntas mostram o quanto ainda precisamos avançar.


A estimativa é que 90% das travestis e mulheres trans se prostituem no Brasil, como aponta a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Esses dados indicam a exclusão que essas pessoas sofrem no mercado formal de emprego.


Quando tentam arranjar emprego com carteira assinada, o preconceito fica evidente. É comum que pessoas trans sejam recusadas na fase das entrevistas. Quando aceitas, ocupam posições subalternas e operacionais nas áreas de telemarketing, lazer e beleza, por exemplo.


É importante que se estabeleçam políticas públicas para pessoas trans tanto no serviço público quanto no setor privado. Há muito o que fazer para mudar a realidade dessas pessoas, que têm a cidadania apenas como uma promessa.


As políticas públicas de saúdem devem ser direito de todas as pessoas

Desde a década de 1990, a homossexualidade não faz parte da Classificação Internacional de Doenças (CID). Porém, a transexualidade ainda é colocada como uma patologia, ainda que movimentos sociais já tenham mostrado que essa classificação é muito mais uma escolha política do que algo cientificamente comprovável.


Até porque, essa inscrição da transexualidade como uma doença traz uma série de consequências que vão desde as consultas e acompanhamentos para garantir o reconhecimento ao nome social até a cirurgia de transgenitalização - que mesmo sendo oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim como a mastectomia e a histerectomia, apenas alguns hospitais no país realizam a operação (no Brasil, são cinco: Hospital das Clínicas de Porto Alegre, HC de Goiânia, HC de Recife, HC de São Paulo e o Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro), gerando uma fila gigantesca que se arrasta por muitos anos.


Some-se a isso, ainda, a má qualificação dos profissionais na quase totalidade dos hospitais e clínicas do Brasil com o cuidado com o corpo das pessoas trans e as dificuldades do próprio sistema de saúde em compreender que um corpo trans é um corpo como o de qualquer outra pessoa, com seus órgãos, sistema nervoso, digestivo, etc. e que precisa, e deve, ser tratado com respeito.


É preciso, por isso, pensar em políticas públicas que garantam a integralidade do acesso à saúde de pessoas trans em todo esse sistema. Mesmo porque, a vida é muito mais do que um genital.


Educação para transformar vidas

Em um período de investida contra a retirada de direitos, de redução dos investimentos sociais em Saúde e Educação e da aprovação unilateral da Reforma do Ensino Médio via medida provisória por Michel Temer, falar em educação no Brasil hoje parece se restringir a definir os problemas a partir de uma perspectiva meramente econômica. Mas há algo mais de fundo, estruturante, que revela como a narrativa do projeto “Escola sem Mordaça” e a criação do conceito de “ideologia de gênero”, endossada sobretudo por setores conservadores que veem na autonomia do professor em discutir violências dentro da sala de aula um problema, são, na verdade, as duas faces de um único projeto de sociedade.


Em primeiro lugar, porque descaracteriza a escola e a educação que temos hoje. Disfarça o seu papel disciplinador para cumprir os ritos e seguir as normas sociais, criando pessoas úteis e dóceis para o trabalho e o mundo. Quem não aceita participar desse pacto, é tomado como um ser desviante, alguém abjeto que precisa ser reconvertido à ordem social.


Essa fuga das normas e dos padrões dominantes têm implicações seríssimas para as pessoas trans que trazem na materialidade dos seus corpos as marcas da diferença. São expulsas da escola, de casa, do mundo. Uma expulsão que possui tanto a forma explícita (da retirada à força) quanto a implícita (da chacota cotidiana, dos olhares de lado, da redução de oportunidades, etc.). Expulsão que sob todos os ângulos assume a forma de uma violência dirigida e que impede a simples participação dessas pessoas nos mais diversos lugares da sociedade. Impedindo até , quando muito, de cruzar esse limiar da educação básica para a educação superior.


É preciso, por isso, pensar a educação para além dos problemas de financiamento, que são muito sérios e urgentes, para pensar, também, o próprio funcionamento da educação e da escola para não excluir nem violentar mais ninguém.


Pelo fim das violências de gênero

A marca da violência atinge travestis e transexuais em todos os cantos do país. Situações de ameaças, agressões, desrespeito e até mesmo de morte espreitam a vida da população trans nas diversas dimensões do cotidiano. No mundo, ocupamos um ranking indigesto. O Brasil é o pais que mais mata pessoas trans. Os dados são da ONG Transgender Europe. Em solo brasileiro, essa parcela da população tem expectativa de vida de 36 anos, enquanto a média nacional do brasileiro é de 75 anos. A transfobia não tem lugar certo. Essa violência ocorre nos mais variados espaços e de diferentes formas. Pode se dar na rua, na escola, na família, nos serviços de saúde... E ganha materialidade quando ignoramos a produção da sexualidade e das questões de gênero no conteúdo das aulas escolares, quando desrespeitamos o nome social, quando expulsamos pessoas trans de suas próprias casas... Por tudo isso, é fundamental compreender que o problema da transfobia está enraizado em toda a estrutura da sociedade e que combatê-lo é uma tarefa urgente. É a vida que pede passagem...


No dia 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, gritamos pela (re)existência

Ao longo da semana, trouxemos postagens sobre problemas que afetam diretamente à população trans. Na saúde, na educação, no trabalho. Problemas que se inscrevem diretamente no corpo, tentando adequação para obediência à norma, ao que se considera normal. E, com isso, sobrevém: expulsões de casa e da escola, redução de oportunidades no trabalho e um amontoado de violências que vão se somando na vida dessas pessoas.


Porém, as linhas da vida são muitas e mesmo com essa série de questões que trouxemos até aqui, precisamos dizer: algo ali passou. Escapou pelos dedos, pelos olhos, pelos cabelos, por lugares pouco prováveis. Isso que escapa é o que define a dinâmica da vida. Por mais duro que sejam os tempos, as normas, a identidade de si e do mundo, algo vai escapar (já escapa). De muitas formas, de muitos jeitos.


Corpos trans são corpos de transbordamento, de radicalização da diferença. Aqui o que escapa, na máxima potência, é essa coisa sem nome porque tem muitos nomes, esse lado impessoal de nós que é também multidão. Corpos trans são corpos revolucionários porque são memórias do que podemos, do limite e fronteira que define o nosso mundo e diz: só vamos poder superar esse mundo de desigualdade social e econômica, de marginalização, se atravessarmos esse deserto produtivo de nossos corpos que alinha classe, raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero.


Por isso, o desafio hoje não é mais o da inclusão, mas o da diferença para que a diferença não se dilua na homogeneização dos diferentes. O mundo onde a diferença passa livre das normas e dos bloqueios é o mundo comum. É dessa vida mais vida que queremos viver. Porque é explosão... de alegria.

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