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Niterói, não se deixe levar pelo medo


por Jacqueline Muniz / DSP-InEAC UFF*


Na atual conjuntura de profundo agravamento do temor, armar a Guarda Municipal de Niterói aparece como uma jogada política de elevado risco.


O medo coletivo tem-se mostrado péssimo conselheiro, sobretudo em contextos de insegurança generalizada. Reféns do medo, somos levados a abrir mão de nossas garantias e do bom senso em favor de promessas salvacionistas de proteção descomprometidas com resultados que propõem ou com o falso paraíso que propagandeiam.


Tendemos a assinar um cheque em branco que “autoriza” que se faça qualquer coisa, a qualquer preço, de qualquer maneira. Ainda que ao custo de se passar uma procuração em aberto, concedendo apressadamente mais poderes de polícia a governantes e gestores que, após empoderados, voltam-se contra a proteção da vida e da liberdade que deveriam sustentar, lavando suas mãos para o que acontece com as mãos armadas dos agentes do estado no mundo real das ruas.


A consulta popular sobre armar a Guarda Municipal no atual momento é uma destas ciladas que busca também antecipar a corrida para governador do Estado. Beneficia-se do sentimento coletivo de medo, desorienta a população, ocultando-lhe a ausência de um plano de segurança pública, de fato, participativo; e que tenha como um de seus eixos a reestruturação da GM, a construção de uma doutrina do uso da força e a valorização profissional dos guardas, sua segurança e saúde ocupacionais, para que estes possam atender às demandas concretas por uma segurança urbana inclusiva, de todos e para todos os bairros de Niterói e não apenas o perímetro da Moreira César.


Na prática, a consulta traz uma engrenagem bastante ardilosa que tenta contrabandear as intenções de voto para uma lógica confirmatória do que o governo quer como resultado, mas com a esperteza de não assumir publicamente o ônus deste querer.


São estabelecidas falsas associações embutidas na proposta plebiscitária que induzem o eleitor a uma camisa de força bem montada nas alternativas de sim ou não. A arma é igualada à defesa pessoal, a defesa pessoal é igualada à proteção individual. A proteção individual é igualada à segurança coletiva. Tudo para que o eleitor seja levado a concluir erroneamente que o uso da arma produz segurança pública. Assim, quem quer mais segurança (e todos nós queremos) deveria aproveitar a oportunidade democrática do plebiscito e votar, necessariamente, por armar a guarda municipal agora e já!


Para essa falsa lógica funcionar é preciso esconder que este raciocínio torto pressupõe que quanto mais indivíduos armados existirem e quanto mais eles usarem suas armas, mais a sociedade estaria segura. Ou seja, quanto mais se resolver o conflito a bala mais paz se teria. Seria, então, paradoxalmente, a violência armada que produziria a segurança pública?


Vê-se o carro ser posto na frente dos bois. Mais uma vez assistimos a armadilha de se colocar o MEIO (arma de fogo) antes da definição e esclarecimento de sua FINALIDADE e da demonstração da necessidade de seus MODOS de emprego para a guarda municipal. Tem-se a mágica publicitária de fazer acreditar que o MARTELO desenha a MÃO que decide o que a CABEÇA pensa. Porém, quando a ferramenta determina o seu próprio fim e uso, a consequência histórica conhecida tem sido as armas autonomizadas chantagearem governos eleitos e sujeitarem os grupos em situação de vulnerabilidade social. Assistimos, uma vez mais, colocarem no colo da sociedade a responsabilidade de escolha que, em momentos críticos, cabe ao governante eleito. Revela-se a fórmula política batida de transferir a responsabilidade sobre a gestão governamental para os eleitores. PONCIO PILATOS ensinou a “lavar as mãos” e jogar para a plateia que, vítima de opiniões que mudam a cada circunstância, acabou crucificando Jesus.


Tudo seguirá uma maravilha, no improviso, na debilidade tática-operacional e no limbo normativo-legal, até a vitimização de um GM ou de um cidadão por um guarda. Aí é só dar a desculpa da vez: vitimado foi, bandido é! Aí no lugar da ética da responsabilidade política é só colocar a culpa no GM EXPIATÓRIO pela fatalidade indesejada: “o despreparo é do GM e não do governante! “A conta é da sociedade que autorizou!” Mãos lavadas pelo oportunismo eleitoreiro. Poderá usar a máxima popular “a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser!”


Render-se a política do medo é aceitar viver sob constante ameaça, pagando o elevado preço da proteção desigual, discriminatória e excludente imposta pela indústria da insegurança que se apoia em atores governamentais. É abandonar a construção de uma política pública de segurança em favor do projeto de poder de aves de mau agouro e do projeto de mercado das aves de rapina que lucram com as nossas perdas, feridas e dores nascidas das violências e violações que deixam cidadãos e agentes da lei fragilizados, intencionalmente expostos. Niterói não deixe o aparelhamento do medo te levar!



*Jacqueline Muniz

Professora do Departamento de Segurança Pública do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF - Universidade Federal Fluminense.

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